quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Conto ou romance


Eu poderia escrever um romance ou um conto sobre o amor, mas ele não teria fim, seria rodeado de todavias, contudos e poréns. O enredo seria opaco. Não haveria uma bela e imaginária fotografia. O clímax estaria sempre próximo, sem nunca chegar. Nessa história não haveria personagens e o narrador sequer seria onisciente.

Seus parágrafos seriam completamente desconexos, sem guardar qualquer relação entre si. Além disso, o texto seria escrito em três idiomas: russo, alemão e chinês. Uma palavra de cada um, na sequência. Não haveria erros de gramática ou sintaxe, os erros de semântica é que estariam presentes. E sem licença poética.

Não se saberia onde a história começa. O tempo seria indefinido, não haveria noite ou dia. O espaço seria onde, apenas isso, não teria tanta importância. Não haveria leis da física, como a gravidade ou movimento retilíneo uniforme. Os cinco sentidos humanos seriam inúteis. O texto seria absolutamente ininteligível.

A leitura seria pesada e exigiria máxima atenção do leitor. O conto teria umas 100 páginas. O romance mais ou menos umas mil, só no volume "um". Seria escrito em papel pardo, com caneta vermelha. Também não haveria numeração de página. Muito menos título. Toda essa bagunça não seria apta a ter um título que a justificasse.

Não se encontrariam influências de Clarice, Drummond, Vinícius, ou mesmo de João Cabral de Melo Neto. Minha intervenção linguística não partiria de um todo harmônico. Ali não caberia nenhuma análise estilística. Não haveria capa, contracapa, prefácio, índice ou agradecimento. Só faria questão de uma breve e singela dedicatória:

"À mulher que me desaviu e inspirou minha catarse."

Como quem não quer nada, eu o publicaria aqui na minha cidade. Penduraria página por página da primeira edição nos muros da escola básica onde aprendi a ler e a escrever. Tudo isso para contribuir para alfabetização dos pequenos. Assim, eles já aprenderiam desde cedo, que sendo conto ou romance, é melhor não mexer com essas coisas.