sexta-feira, 12 de junho de 2015

Um dia na cidade

E aí vem uma nuvem bem grande e tapa todo o sol da cidade.
O dia se disfarça dentre as cores do jornal diário, estava sem graça de como ele havia amanhecido sem graça.
Aqui embaixo, os mesmos passos apressados dos jovens e a contemplação do que já passou dos mais vividos.
Os artistas ainda não acordaram e os porteiros já tomam seu terceiro café.
Desvio de duas fezes caninas e de carros pintados de cinza, com motoristas vestidos de cinza, que fumavam e soltavam fumaça cinza pelo escapamento e pela boca.
A primeira coisa colorida do dia foi um prédio.
Um prédio recheado de cimento, que tiveram que pintar para que tivesse graça e com plantas na janela para que tivesse vida.
Ali dentro alguém sentia falta de colorir papéis.
Seus lápis coloridos estavam longe e em outro lugar.

E assim, se passa mais um dia na cidade.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Rotina

Mais um dia e nada.
Engulo tudo nesse copo d'água.
Com a mesma bunda que saí volto pra casa.
Bebo tudo que vejo e nada.
O banho é igual. A cama é igual.
A puta que o pariu do telejornal é igual.

Essa vontade não é mais minha.
Nem daquela velha que trabalha na firma.
De onde vem toda essa merda,
que mesmo que eu esteja toda aberta,
tudo continua igual?

Não sei.
Hoje não fui dormir,
botei fogo em tudo...

Queimei.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Microconto

O microconto nada mais é que um escritor que não sabe desenhar, escrevendo uma tirinha.

(com João Paulo Mendonça)

sábado, 20 de abril de 2013

Folha branca

Uma folha branca.
Era tudo o que tinha.
Engraçado como ela dizia tanta coisa e não significava nada.
Agora, amarela, ela continua sendo...
tudo o que tenho.

sábado, 26 de janeiro de 2013

corda que falta

O copo vazio me diz não.
Seu brinco esquecido me diz não.
A festa na esquina me diz não.
O dormir tarde me diz não.
O chope mais tarde me diz não.
Até o futebol me diz não.
O samba só está me dizendo não.
Ando pelas ruas, que só me dizem não.

A voz me falta, não acerto o tom.
A corda que falta em meu violão.
Você foi embora e não me disse não.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Velhos amigos

Eram 5000 peças, partes de um grande castelo, dispostas numa mesa escura. Enquanto eu separava os cantos, ele guardou uma peça no bolso. Um velho truque que funciona desde 1942 (depois de eu ficar dias, às vezes meses, procurando a peça perdida, ele chega em casa e completa o quebra-cabeça). Eu sempre me deixava cair. Não saber quando ele voltaria com a última peça deixava meu coração alerta. Com os anos, nosso "à quatro mãos" foi ficando mais lento e hoje entendi porque. O último vento levou a peça que faltava.

Coloquei tudo numa mochila. Esse castelo vai ficar pronto em outro lugar.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Requerimento


Eu olho para a minha caneca e torço pra ela estar vazia, assim posso me levantar da mesa e pegar mais água fora da repartição. Aqui o mundo não irá acabar, ele precisaria fazer um requerimento, juntar cópia da certidão de nascimento com foto, comprovante original de residência e indicação de três conhecidos para contato. Depois ele teria que aguardar. No protocolo vem escrito “Favor aguardar o prazo legal - entraremos em contato.”.

É o Cléber que formaliza os requerimentos, depois ele encaminha para o Luis Carlos, só ele tem o carimbo oficial. Aí sim, os papeis vão para o setor de remessa e a Kátia os empacota e os põe no carrinho. Duas vezes por semana o Léo, nosso estagiário conduz o carrinho até a inacessível sala do chefe, que fica na baia ao lado da minha. Tudo isso na mesma sala de 20 metros quadrados, com cadeiras, mesas e algumas pilhas de requerimentos por assinar.

A caneta que diz “procedente” ou “improcedente” é a do Doutor Pamplona. Certa vez ele me pagou um bife com fritas e perguntou meu time. E só. Vive em reuniões do Departamento, que, aliás, foi criado há 6 anos e tem o nome DNAIC -Departamento Nacional de Assuntos de Interesse dos Cidadãos. Esse departamento pertence à Secretaria de Assuntos Estratégicos, criada no mesmo evento, em que o fotógrafo oficial foi despedido por não conseguir enquadrar todos os engravatados na mesma foto.

Bom, a pessoa mais interessante da repartição é a minha caneca. E os momentos de maior aventura são quando saímos juntos pelos corredores. Em uma das vezes o bebedouro não tinha água e eu chamei o elevador para descer ao DNIAP – Departamento Nacional de Interesses e Assuntos da População, que fica no andar de baixo.

Dei de frente com um sujeito fétido e gordo, muito gordo, transpirando nojentamente na testa e nas axilas. Cumprimentou a todos e quis me dar a mão. Fingi que não vi. Com certeza ele não conhecia o prédio público, vinha de escada, fedendo ainda mais. Delicadamente ele insistiu em me perguntar onde deveria protocolar seu requerimento. No DNIAP ou no DNAIC. Obviamente eu disse que ele estava no lugar certo, era no DNIAP mesmo, nós do andar de cima já estamos cheio de trabalho.

Enchi minha caneca de água e subi para minha mesa. 45 minutos depois (eu contava porque estava na última hora do expediente de sexta) o gordo fedido, que chegava pela escada, foi até o balcão e ficou pacientemente aguardando o atendimento. Eu o Cléber, o Luis Carlos, a Kátia, e até o Léo, que passava por ali, olhamos, ao mesmo tempo, para o papel grudado na parede que mostrava a escala de atendimento.

"Merda", era eu. Olhei meu relógio. Olhei o gordo. Relógio. Gordo. Relógio. Gordo. Lá estava eu no atendimento... Registrei o pedido. Peguei os documentos. Dei o protocolo e disse que entraríamos em contato. Fiz tudo muito rápido. Aquele cheiro era insuportável. O homem nos desejou um ótimo final de semana e saiu satisfeito pelos degraus da escada.

Fechei minhas coisas, tranquei as gavetas, e já estava saindo quando lembrei que minha caneca ainda estava cheia. Voltei, bebi a água, marquei meu ponto e saí.

Já no meu Escort 92 parado no trânsito, percebi que eu não tinha deixado o requerimento com o Cléber. Depois do semáforo abrir e fechar 3 vezes sem eu engatar a primeira, peguei aquele papel na mão:


“Eu, Josenildo Francisco da Silva, venho por meio deste, requerer à Vossas Senhorias, que vão todos juntos para a casa do caralho!"


(Aguarda-se deferimento do Doutor Pamplona)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Mãe: nada mais, nada menos.


Da doçura para a fúria em menos de um olhar.
A doçura de se ver nos olhos de quem inventa
e reiventa o amor. A cada dia.

A fúria de quem distorce o asfalto com a força das mãos
apenas para o filho passar.

Um dia basta para que uma mulher nunca mais durma tranquila.

Aquela que nada nega sem doer,
aquela que nega tudo que não seja o amor,
daqueles repletos de prefixos de negação:
incondicional, impossível, disléxico e atemporal.

Aquela que desafia Deus ao dar a vida
e desafia a vida ao dar a sua...
apenas por uma camisa passada,
um dinheiro trocado, um café com leite.

Apenas por um guarda-chuva em dia de sol,
um arroz com feijão, um suco gelado.

Apenas por um futuro melhor, um brinquedo mais caro,
ou mesmo um simples beijo de boa noite.

E para quem ainda não sabe o que é o amor,
é só parar em frente de sua mãe, abrir os braços, e
com os olhos bem fechados, esperar três segundos.

Para quem não a tem ao lado,
apenas feche os olhos e diga baixinho:
“Mãe?”

Pode estar certo que ela estará ouvindo,
onde quer que esteja,
desafiando o tempo e o espaço.

Apenas para te abraçar e dizer:
“Estou aqui meu filho!”

terça-feira, 17 de abril de 2012

É de parar o trânsito.



"Uma manifestação organizada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) provocava lentidão na rodovia Anhanguera na manhã desta terça-feira em São Paulo." (Folha de São Paulo)

"O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiu hoje as pistas da Anhanguera, parando o trânsito nos dois sentidos na região de Cajamar, na altura do quilômetro 28, na região metropolitana de São Paulo." (Estado de São Paulo)

"O bloqueio provocou longas filas de congestionamento, o que irritou alguns motoristas e motociclistas. Não houve, entretanto, registro de violência. Também na manhã de hoje o MST realizou ocupações de fazendas em diversos Estados." (BOL)
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Protestos: transtorno ao trânsito.
Congestionamento: transtorno ao motorista.
Brasileiro: transtorno ao brasileiro.
Silêncio: transtorno ao Brasil.


Enquanto isso, num mundo distante, onde as causas vem antes das consequências, um casal de velhinhos conversava idosamente em frente ao televisor:

- Você viu o que aconteceu?
- Não... O que foi?
- Parece que pararam o trânsito.
- O que tem? Se todo dia as pessoas vão para o mesmo lugar.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Estamos muito atrasados - Bicicletada Nacional

No último domingo, quando saía de casa com minha bicicleta, minha mãe, com olhos d'água disse para eu não fazer essa loucura. Ao ser questionada, argumentou que isso é muito perigoso, principalmente em São Paulo, pois há pessoas morrendo.

Deixei a bicicleta em casa.


Dia seguinte, parado no trânsito, depois de ouvir todos os tipos de buzinas de motos e freios de caminhão, comecei a pensar: "porque estou aqui?". O trajeto que eu faria em 30 minutos se não houvesse congestionamento, agora toma 2 horas da minha manhã. Uma hora e meia de punição, que poderia ser substituída por uma hora e meia de qualquer outra coisa.

É o preço que se paga por não haver a mobilidade adequada para suprir a demanda de trabalhadores. A preocupação com o crescimento econômico é comum, porém ninguém se importa como esse crescimento se dá. É indiferente para o capital como o trabalhador chega à empresa, o importante é que ele chegue no horário.

Assim, a pressa reina no trânsito parado.

Um paradoxo que não seria nunca entendido por uma pessoa que nasceu no início do século XX.

Amanhã, dia 06 de março, mais de 25 cidades irão se mobilizar para a Bicicletada Nacional, em São Paulo será na praça do ciclista às 19 horas. Manifestação que critica a falta de políticas públicas para a mobilidade através da bicicleta e o desrespeito, o despreparo e a imprudência dos motoristas com relação aos ciclistas. Os participantes desse evento lutam para que quem está nascendo no início do século XXI possa estudar o paradoxo da pressa no trânsito parado em suas aulas de história e ainda achar engraçado por sermos, hoje, tão atrasados.

Estamos muito atrasados, por isso continuaremos nos atrasando.